A Voz da Graúna ( Clipping)

A Voz da Graúna

O site Observatório da Imprensa e o blog Viomundo tem enfocado a polêmica gerada pela cobertura jornalística da Copa do Mundo 2010. Sobretudo os desentendimentos entre Dunga e os repórteres. O técnico não está gostando das imposições do jornalismo da Globo que quer entrevistas exclusivas dos jogadores e interferir no ritmo dos treinamentos.  Vejam os artigos e tire suas conclusões:

Eliakim Araújo: Poderosa e vingativa

A GLOBO É VINGATIVA
por Eliakim Araújo, no Direto da Redação
22 de junho de 2010 às 13:53


Ninguém morre de amores pelo Dunga. Folgado, provocador, birrento e geralmente mal educado, embora não se possa negar sua dedicação ao ofício de treinador da seleção nacional. Dunga está na berlinda nesta segunda-feira depois de sua explosão de maus modos com um repórter da Globo que falava ao telefone enquanto ele respondia perguntas de outros repórteres na coletiva de imprensa após o jogo com a Costa do Marfim.

Se Dunga é esse poço de grosseria, por outro lado é uma verdade indiscutível que boa parte dos jornalistas brasileiros se acham (é plural mesmo) acima do bem e do mal, se julgam superiores ao comum e mortal ser humano, sobretudo a garotada mais nova. Se acham donos da verdade, os sabichões. Falam o que querem de pessoas ou instituições que não dispõem de um espaço na mídia para se defender.

Esse breve perfil do jornalista brasileiro ganha novos contornos quando falamos daqueles que trabalham na Globo. Esses chegaram ao Olimpo e o crachá que usam muitas vezes abre portas proibidas aos jornalistas de outras emissoras. É comum que tenham prioridade em entrevistas e eventos. Os demais ou são preteridos ou têm que esperar até que o bambambã global termine seu trabalho.
Não só a Globo, como as demais emissoras fazem vista grossa quando seus profissionais conseguem superar a concorrência mesmo que façam uso de expedientes aéticos.

Todo mundo se lembra do que a Globo fez com Leonel Brizola. Durante seu primeiro mandato no Estado do Rio de Janeiro, de 1982 a 1986, não havia um só dia em que o velho Cid Moreira, com sua grave e empostada voz, não abrisse o noticiário da cidade com a célebre frase: “A violência no Rio”. E aí vinham as estatisticas das ocorrências policiais da cidade naquele dia.
Isso era feito diariamente, um verdadeiro massacre, que resultou na derrota de Brizola na eleição presidencial de 89, por um lado. Por outro, no esvaziamento econômico do Rio com a fuga de empresas para São Paulo. A campanha do JN foi tão perfeita que até hoje muita gente desinformada de SP, ou até mesmo do Rio, prefere simplicar: “ah, quem acabou com o Rio foi o Brizola”.

Não sabemos exatamente o que aconteceu entre Dunga e o repórter da Globo, é preciso investigar se já havia alguma animosidade entre os dois em razão de incidente anterior, é regra do bom jornalismo ouvir as duas partes. De qualquer maneira, Dunga se meteu numa encrenca daquelas. E a Globo é implacável com seus adversários.

Desde já o emprego dele está ameaçado. Se o Brasil ganhar a Copa, ele talvez se salve pelo gongo. Se perder, tá ferrado. Vai ter que procurar emprego. Mas em qualquer hipótese, será dificil sua permanência no cargo. A turma da CBF não tem peito para enfrentar o poderio econômico e político dos irmãos Marinho.
http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/eliakim-araujo-a-globo-e-vingativa.html



DUNGA vs. GLOBO
A guerra foi declarada
Por Luciano Martins Costa em 23/6/2010

Comentário para o programa radiofônico do OI, 23/6/2010


O Grupo Globo abriu guerra total ao técnico da seleção brasileira, Carlos Caetano Verri, o Dunga. O site globo.com criou o troféu "Limão" para premiar o técnico mais ranzinza da Copa do Mundo. "Quem merece o título de Mister Antipatia na Copa 2010? Dunga, o zangado do Brasil; Domenech, o mal-educado francês; ou o eslovaco Weiss?", é a pergunta que se destaca no site.
 

Ao convocar os leitores para opinar em tema tão previsível, o jornal está preparando material pesado, para o caso de a seleção fracassar na África do Sul.
 

Dunga não é exatamente flor que se cheire, em termos pessoais. Não tem a simpatia de Zagalo, a gentileza de Carlos Alberto Parreira, a clareza estratégica e a elegância de Vanderlei Luxemburgo. Parece desajeitado sob as roupas de grife com que sua filha o veste, costuma dar caneladas no vernáculo durante as entrevistas e tem mania de perseguição. Mas tem apresentado resultados, que é a única coisa que deseja o torcedor.
 

Por outro lado, o grupo Globo vê cerceadas suas exclusividades e privilégios. A apresentadora Fátima Bernardes já não tem, nesta Copa, a liberdade para interferir na rotina dos jogadores, como ocorreu em 2006, e comediantes disfarçados de jornalistas têm que ficar longe dos craques.
 

Assédio limitado 
A guerra declarada entre o mais poderoso grupo de comunicação do país e o técnico da seleção – que em período de campeonato mundial se transforma no segundo mais importante servidor público, logo depois do presidente da República – tem mais de negócio do que de jornalismo. Como diz o veterano jornalista Zuenir Ventura no Globo de quarta-feira (23/6), parodiando Chico Buarque de Holanda, "Dunga é um pote até aqui de mágoa".
 

Mas também não se pode esquecer que a Globo tem feito da seleção brasileira um pote até aqui de ouro, ao negociar contratos de exclusividade e privilégios que acabam por atrapalhar o trabalho do técnico e dos jogadores.
Essa briga já tem um perdedor: mesmo que vença a Copa, Dunga dificilmente continuará no cargo. Ao limitar o assédio da imprensa, ele teve a ousadia de reduzir a exposição das marcas dos patrocinadores.
 

Relação promíscua 
A crise entre o técnico Dunga e parte da imprensa se espalha pelos jornais e respinga no jogador Kaká. Criticado por ter provocado sua própria expulsão no jogo contra a Costa do Marfim, o meia acusou o jornalista Juca Kfouri de persegui-lo por causa de sua opção religiosa.
A argumentação do jogador é apenas meia verdade. O que alguns jornalistas andaram especulando é a possibilidade de parte do dinheiro pago a Kaká pelo Real Madrid, doada para a igreja Renascer em Cristo, tenha voltado para a conta do jogador, através do pagamento de sua mulher, que se tornou pastora da seita numa igreja criada na capital espanhola.
 

O Estado de S.Paulo especula, na edição de quarta-feira (23), se o descontrole de Dunga poderia afetar o equilíbrio dos jogadores. A Folha de S.Paulo abre seu caderno de esportes com as fotos de um sorridente Diego Maradona e um Dunga de costas para o leitor, imagens que dispensam interpretações.
Comentaristas já haviam observado a generosidade do técnico da Argentina, que convocou e colocou em campo o veterano centroavante Palermo, do Boca Juniors, dando-lhe a chance de fazer seu primeiro gol em Copa do Mundo.
As comparações entre os dois são inevitáveis.
 

Lições de Lampedusa 
A guerra entre o técnico da seleção e o grupo Globo traz pelo menos uma vantagem para o brasileiro, que em tempos de Copa troca a condição de cidadão pela de torcedor: coloca em evidência a promiscuidade entre jornalismo e negócios e expõe o monopólio concedido pela Confederação Brasileira de Futebol à Rede Globo.
 

Essa troca de favores não afeta apenas a qualidade do jornalismo oferecido aos brasileiros. Ao diminuir as alternativas de cobertura dos acontecimentos que interessam a praticamente toda a população, esse pacto comercial reduz a diversidade de opiniões ofertadas aos torcedores e submete o noticiário aos interesses comerciais dos patrocinadores.
 

Se Dunga ri ou fica enfezado, problema dele. Passada a Copa, certamente já vão começar as especulações e pressões sobre seu provável substituto.
Aquilo que deveria mudar é que não muda nunca.
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=595JDB021



COPA DO MUNDO
Dunga, a imprensa e a Globo
Por João M. A. da Silva em 22/6/2010

A coisa está feia entre os jornalistas que cobrem a Copa e o treinador Dunga, principalmente com os da Rede Globo. Talvez a postura de Dunga de não deixar os jogadores darem entrevistas exclusivas, principalmente para a Globo, e de fazer treinamento fechado não agradam muito a emissora. E as constantes críticas estão alimentando o ódio de Dunga.
 

A última foi a entrevista coletiva de domingo (20/6), após a vitoria do Brasil por 3 a 1 em cima da Costa do Marfim, onde rolou um enfretamento (xingamento e provocações) entre o Dunga e o jornalista da Globo, Alex Escobar.
 

Penso que Dunga, apesar dos conselhos de Augusto Cury (sério? sim veja aqui!), está errando na dose. A melhor resposta a dar para certas criticas é de trabalhar duro. Porém, é compreensível sentir revolta quando centenas de jornalistas, comentaristas bobos e narradores mais bobos ainda ficam alfinetando um trabalho e dando declarações sem fundamento – ou, para ser mais claro, ficam fritando o cara.
 

Se o Brasil não joga o fino da bola nesta Copa, o que dizer de Alemanha, Itália, Espanha e França? Mas as criticas mais pesadas ficam em cima do Dunga e o Brasil. Por quê?
No domingo, no Fantástico, Tadeu Schmidt leu um comunicado da Globo referente ao ocorrido na coletiva (veja aqui). Foi um daqueles comunicados descartáveis que a Globo emite. Aliás, a edição do fato como um todo foi bem ao estilo Globo: "manipulo porque gosto". E, ao final, a frase "saibam que estamos torcendo para o Brasil".
Se perdemos a Copa será por causa da Rede Globo.
 

Não é de hoje 
Em 2008, após empate com a Argentina no Mineirão (reportagem de Paulo Cobos, link aqui) "Dunga reclamou da imprensa, com recado indireto para a Rede Globo, do público que lotou o Mineirão e da arbitragem do colombiano Oscar Ruiz". Segue a matéria: "O treinador respondeu de forma ríspida à pergunta de um repórter da emissora e deu recado: `Vim para fazer um trabalho, e algumas pessoas não estão contentes. Coloquei regras, e alguns não gostaram disso´, se referindo ao veto de entrevistas exclusivas e a restrições na montagem de grandes estruturas de emissoras de TV nos locais de treinamentos da seleção, fato corriqueiro para a Globo nos tempos de Carlos Alberto Parreira."
 

No mesmo ano (2008), após a conquista da medalha de bronze (reportagem de Bruno Freitas, link aqui) nas Olimpiadas, "Dunga se virou para a tribuna de imprensa e despejou uma série de palavrões, antes de um gesto irônico de `tchau´. Tudo flagrado pelo telão do estádio. O destino da mensagem eram profissionais da Rede Globo, em rixa cada vez mais assumida pelo treinador". 

Na época o próprio Dunga "considera que esteja sendo `fritado´ no comando da seleção brasileira pela rede de TV em questão, em razão das normas de trabalho impostas pelo treinador, mais especificamente em relação ao fim de entrevistas exclusivas e ao acesso aos jogadores em horários não reservados à mídia. `Aqui dentro tinha esquema. Comigo não tem. Acabei com o privilégio, e isso causa revolta´".
 

Outras referências que sugiro para leitura são as entrevistas para a Terra Maganize (aqui e aqui também).
Tirem a conclusão que quiserem. Porém, lembrem-se, como dizem ao atravessar uma rua: "Olhe sempre dos dois lados!"

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=595JDB011


REDE GLOBO
Futebol, um esporte vendido à TV
Por Laurindo Lalo Leal Filho em 22/6/2010
 
Reproduzido da Agência Carta Maior, 18/6/2010

Enquanto a Copa segue hegemônica nos noticiários de TV, o silêncio cobre outros fatos importantes ligados ao futebol. Na mesma semana da estreia do Brasil, os vereadores de São Paulo deram uma guinada espetacular e mantiveram o veto do prefeito Kassab à lei, por eles mesmos aprovada, que proibia jogos de futebol na cidade com início depois das 21h15. Quem marca o horário dos jogos noturnos para às 21h50 são os programadores da Rede Globo. Para eles, o futebol é apenas mais um programa da emissora que, por critérios mercadológicos, deve ser transmitido depois da novela.
 

Em abril, com 43 votos a favor e apenas dois contra, a lei aprovada passava a impressão de altivez da Câmara, fato raro na vida política do município. Foi só impressão. Ao invés de manterem seus votos e derrubarem o veto do prefeito, os vereadores paulistanos, com quatro honrosas exceções, curvaram-se aos interesses da Globo. Até um dos autores do projeto, vereador Antonio Goulart, mudou de lado. O outro, Agnaldo Timóteo, não apareceu para votar.
 

E assim, os jogos na capital continuam terminando quase à meia-noite. Até pela TV, para quem tem que trabalhar cedo no dia seguinte, como faz a maioria da população, o horário é ruim. Agora para quem gosta de ir ao estádio é um sacrifício desumano. Os vereadores paulistanos não se dobraram apenas aos interesses da Rede Globo. Eles passaram um atestado de incapacidade absoluta para enfrentar um modelo perverso imposto nas últimas décadas ao futebol brasileiro.
 

A mercantilização absoluta 
Até o final dos anos 1960, ainda havia algo de lúdico na prática e no espetáculo futebolístico. Lembro do Torneio Início, jogado uma semana antes da abertura do campeonato paulista, num dia só, com a participação de todos os clubes da primeira divisão. Eram jogos mata-mata, de 30 minutos (15 por 15) de duração onde, em caso de empate, ganhava o time que havia obtido mais escanteios a favor, antes da disputa dos pênaltis se fosse necessária.
 

Curioso era ver os maiores craques do futebol paulista, em volta do gramado, assistindo os jogos dos outros times enquanto esperavam a vez de entrar em campo. Havia um que de amadorismo resistindo às investidas da profissionalização definitiva. O Pacaembu ainda era, nessa época, uma extensão glamorosa dos campos de várzea que se espalhavam por toda a cidade. A especulação imobiliária nunca contida pelos vereadores paulistanos – em qualquer legislatura – acabou com a várzea e quase acaba com o futebol na cidade. A sua sobrevivência se deu num outro nível, o da mercantilização absoluta. Dos jogadores e do jogo. Os primeiros passaram a ser formados pelas escolinhas, acessíveis apenas à classe média, ou pelos centros de adestramento criados por empresários, cujo objetivo é preparar os seus "produtos" para vendê-los no exterior.
 

Uma oportunidade perdida 
O futebol assume nesse estágio a forma mercadoria em todas as suas etapas. Do berço do jogador à Copa do Mundo nada escapa. O esporte popular das ruas e das várzeas transformou-se num produto caro e altamente sofisticado, operando num nível elevadíssimo de racionalidade capitalista.

Diferente de outros setores da economia e mesmo da cultura, onde o Estado ainda atua para conter de alguma forma a voracidade do mercado, no futebol isso não acontece. Os objetivos privados são absolutos nem que para serem alcançados se sacrifiquem atletas, torcedores e, no limite, o próprio esporte, reduzido cada vez mais a um espetáculo de televisão.
 

Perderam os vereadores paulistanos a grande oportunidade de colocar o interesse público em primeiro lugar. Resta agora esperar, com bastante ceticismo, que projeto semelhante, apresentado na Câmara dos Deputados, e válido para todo o Brasil, prospere.
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=595JDB019



A colher do "Tio Sam"

A matéria que reproduzimos abaixo foi publicada ontem no Observatório da Imprensa. Ela aborda a criação de um marco regulatório para as comunicações, com a realização de seminários, wokshops e até a elaboração de um documento.


O fato intrigante é que o debate está sendo promovido e incentivado pela Coordenação de Comunicação e Informação da UNESCO no Brasil, com o patrocínio da Fundação Ford. O debate será desenvolvido sob a ótica do sistema brasileiro e a experiência internacional, e vai acontecer em 23/06/2010, às 14h,em audiência pública promovida na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, da Câmara dos Deputados.

À primeira vista, um apoio vindo de uma poderosa fundação poderia ser interessante, afinal dá para ver que será um debate promovido em alto nível, com participação de consultores internacionais: "Ainda no marco dessa discussão, o setor de Comunicação e Informação da UNESCO no Brasil pretende lançar um estudo sobre as decisões das cortes superiores brasileiras no tocante à liberdade de expressão e de imprensa e promover um debate sobre a aplicação dos "Indicadores de Mídia no Brasil", além de uma discussão sobre métodos de accountability da mídia pública no país."

A pergunta é por que esta intervenção direta de um organismo internacional, em um seminário patrocinado por uma instituição norte-americana, a Fundação Ford?

Por que a cultura e o modelo de comunicação brasileiro tem de seguir os padrões internacionais, se nós temos a nossa própria identidade cultural. No passado as ditaduras fechavam as redações de jornais e os censores publicavam receitas de bolo no lugar das matérias censuradas, hoje a intervenção é mais light, ela vem travestida de "seminários", marcos regulatórios...

Ainda está na nossa memória o colonialismo promovido pelos Estados Unidos sobre a nossa cultura, não bastasse as produções cinematográficas, carregadas de ideologia americana, que temos que receber passivamente, além do rock degenerativo, patrocinado pelos Iluminatti?

Por que o modelo de imprensa internacional não estaria sendo questionado, quando sabemos que o Brasil só aparece em manchetes internacionais quando acontece alguma desgraça abaixo da linha do equador? Se a imprensa norte americana servisse de modelo para o mundo o New York Times não estaria passando por uma crise financeira, a ponto de contratar recém-formados para escrever o noticiário local.

Nada contra a contratação de recém-formados, mas para um jornal que serviu, durante décadas, de parâmetro para a imprensa mundial, isto não soa como indicador de saúde financeira ou cultural.

Tire suas conclusões. Ultimamente os interesses se voltaram para as comunicações no Brasil. Porque a Fundação Ford não patrocina um seminário sobre a prostituição infantil e como combate-la, sobre a pedofilia, e qual seriam os programas a serem desenvolvidos para ajudar na reestruturação das famílias. Vela a matéria do Observatório da Imprensa, abaixo:



MARCO REGULATÓRIO DAS COMUNICAÇÕES

O sistema brasileiro e a experiência internacional
Por UNESCO em 8/6/2010
Promover um debate aprofundado sobre o desenvolvimento da mídia brasileira é o objetivo de uma série de projetos que a Coordenação de Comunicação e Informação da UNESCO no Brasil lança a partir de junho. As ações incluem realização de pesquisas, promoção de workshops, seminários e publicação de documentos. Também está prevista a visita de consultores de renome internacional para participar de eventos na área. As mudanças trazidas pela digitalização e pela convergência das mídias aceleraram, em todo o mundo, o debate em torno dos marcos regulatórios mais eficientes para organizar os "ecossistemas midiáticos", tendo em mente este novo paradigma.

A centralidade dos meios de comunicação para o desenvolvimento das sociedades democráticas contemporâneas já é consenso internacional, bem como seu papel de agente de mudança, especialmente em um cenário de convergência tecnológica e barateamento de aparatos e serviços. Tais mudanças obrigam governos de todo o mundo a elaborar políticas específicas para o desenvolvimento da mídia, e o Brasil também está fazendo parte desse movimento.

Agenda brasileira

Para a UNESCO, é importante que o Brasil consolide seu marco regulatório e aperfeiçoe as políticas públicas de comunicação para se equiparar aos padrões internacionais de desenvolvimento do setor. No que se refere à diversificação dos players, o país ainda tem uma agenda enorme a cumprir, fortalecendo a comunicação pública e comunitária. Outro desafio brasileiro é trabalhar os conceitos fundamentais de diversidade, pluralidade e equilíbrio no sistema de comunicação, paralelamente ao fortalecimento da função regulatória do Estado democrático de direito. A convergência das mídias acrescenta novos desafios a esse já complexo cenário.

Parte dos problemas diagnosticados na mídia brasileira é conseqüência da falta de um marco regulatório consistente e atualizado, diferentemente do que se verifica em outras democracias. Para colaborar na produção de um marco regulatório, em janeiro deste ano, foram iniciadas as atividades do projeto "Marco Regulatório das Comunicações no Brasil: análise do sistema à luz da experiência internacional", que tem apoio da Fundação Ford.

O projeto tem como metas fomentar uma cultura de regulação para políticas públicas de comunicação, a partir da análise comparativa entre o Brasil e mais dez democracias (Canadá, Reino Unido, Tailândia, Estados Unidos, Chile, França, Malásia, Jamaica e Alemanha), usando como parâmetro indicadores internacionais acordados pela UNESCO. Para tanto, foram contratados dois consultores internacionais: o canadense Toby Mendel e a inglesa Eve Salomon. De 30/08 a 03/09, os dois especialistas estarão no Brasil para uma série de workshops com os atores mais relevantes dessa agenda no país, além de órgãos reguladores, empresários e sociedade civil.

Agenda internacional

Mendel é diretor executivo do Centre for Law and Democracy, organização civil canadense especializada em consultoria no campo da legislação internacional sobre direitos democráticos, foi membro da diretoria da organização ARTICLE 19 por 12 anos, e atuou em consultorias para diversas agências da ONU, para o Banco Mundial e governos de diversos países. Salomon é especialista em regulação de mídia, membro do Press Complaints Commission (órgão auto-regulador da imprensa britânica), e da UK´s Internet Watch Foundation (órgão de combate à exploração sexual infantil na internet) e consultora do Núcleo de Direitos Humanos da União Européia.

Os dois consultores têm como tarefa reunir dados internacionais e compará-los com as informações coletadas no Brasil por uma equipe atualmente a serviço da UNESCO. A coleta será feita por diversos mecanismos, tais como compilação de leis e relatórios, e entrevistas com membros de agências reguladoras ligadas direta ou indiretamente à comunicação. De posse dos dados, eles irão produzir estudos que descrevam padrões de regulação internacionais pertinentes para a realidade brasileira e identificar pontos-chave para uma reforma legal que contemple indicadores de desenvolvimento da mídia nacional. Os resultados desses estudos serão divulgados em um seminário internacional que será realizado em Brasília no segundo semestre de 2010, com a presença dos consultores.

Antes disso, porém, outro projeto de abrangência internacional será lançado. Trata-se da tradução para o português dos "Indicadores de Desenvolvimento de Mídia", documento aprovado em 2008, pelo Programa Internacional para o Desenvolvimento da Comunicação (IPDC) da UNESCO. O texto, que será lançado em 23/06, em Audiência Pública da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, é resultado de intenso trabalho de uma equipe formada por especialistas de organizações intergovernamentais, não-governamentais, universidades e associações profissionais de diversas regiões do mundo, para que perspectivas distintas fossem contempladas.
Os "Indicadores de Desenvolvimento de Mídia" já estão disponíveis para download na página de publicações da UNESCO no Brasil. A UNESCO pretende que esses indicadores possam ser úteis para a avaliação do atual estágio do sistema de mídia brasileiro.

Ainda no marco dessa discussão, o setor de Comunicação e Informação da UNESCO no Brasil pretende lançar um estudo sobre as decisões das cortes superiores brasileiras no tocante à liberdade de expressão e de imprensa e promover um debate sobre a aplicação dos "Indicadores de Mídia no Brasil", além de uma discussão sobre métodos de accountability da mídia pública no país.

Com a realização desses projetos, a UNESCO espera colaborar para que o Brasil se integre à agenda internacional de desenvolvimento da mídia, implementando ações importantes de promoção do livre fluxo de idéias, que é um dos fundamentos da atuação da UNESCO.

Serviço

Audiência Pública para lançamento e debate sobre a Publicação "Indicadores de Desenvolvimento de Mídia: Marco para a avaliação do desenvolvimento dos meios de comunicação" – UNESCO
Data e hora: 23/06/2010, às 14h
Local: Comissão de Direitos Humanos e Minorias
Plenário 09 – Anexo II da Câmara dos Deputados





A matéria que reproduzimos abaixo foi 
publicada no Observatório da Imprensa

ENTREVISTA / WALTER ROBINSON
"Vaticano encara denúncias 
de uma maneira errada"
Por Marcos Flamínio Peres em 11/5/2010 
Reproduzido da Folha de S.Paulo, 9/5/2010

Eram correntes os relatos de que padres da Arquidiocese de Boston abusavam sexualmente de crianças e jovens, mas foi apenas quando o Boston Globe decidiu investigar o assunto a fundo que as suspeitas se comprovaram -e eram piores do que se supunha.
 

Publicadas a partir de janeiro de 2002, as reportagens revelaram que o cardeal Bernard Law acobertou o padre John Geoghan, apesar das provas -recolhidas em dezenas de milhares de documentos da arquidiocese- de que molestava crianças havia ao menos uma década.
 

A estratégia foi transferi-lo de paróquia a paróquia.
Law, então um notório defensor de direitos humanos e pessoa de confiança do papa João Paulo 2º, caiu em desgraça e foi obrigado a renunciar.
A equipe do Globe -que, no ano seguinte, ganharia o Pulitzer pela investigação- era liderada por Walter Robinson, ele próprio um católico vivendo em meio a uma das maiores dioceses católicas dos EUA.
 

"O mais difícil não era acreditar que padres abusavam de crianças, porque sabia que isso existia, mas, sim, acreditar que a igreja tenha encoberto a história, enviando-os a novas paróquias, onde teriam oportunidade de praticar outros abusos", afirma Robinson em entrevista concedida à Folha de Boston, onde hoje, após deixar as Redações, leciona na Universidade Northeastern.
 

Como resultado do trabalho, a arquidiocese quase faliu com as indenizações que teve de pagar, e outros casos vieram à luz pelos EUA.
Geoghan foi condenado a quase dez anos -em 2003 seria estrangulado na prisão. Law é hoje arcipreste da basílica de Santa Maria Maggiore (Roma).
   

 Passados oito anos da revelação do caso Bernard Law pelo Globe, o que a Igreja Católica aprendeu com o assunto? Walter Robinson – Não acho que o Vaticano tenha aprendido coisa alguma com isso. Sua visão é a de que os católicos não têm o direito de saber detalhes de casos assim e que a imprensa secular não tem nenhum direito de fazer perguntas.
 

Mesmo hoje? W.R. – Mesmo hoje. As críticas feitas agora são ainda mais duras do que em 2002, contra o Globe. À época, ninguém chegou a sugerir que se tratava de um complô de judeus, da mídia ou de qualquer coisa do gênero. Ninguém dizia explicitamente que era uma tentativa de atingir o papa e a igreja. Nesse sentido, acho que o Vaticano está lendo a situação toda de maneira errada.
 

Qual sua reação quando deu de frente com os primeiros documentos provando o acobertamento, por parte da igreja, dos casos de abuso sexual? W.R. – Quando conseguimos as primeiras centenas de páginas, lembro-me de ter relatado a história para o editor-executivo do jornal, que disse: "Não importa tanto o que está nos documentos, mas aquilo que não está". Pois em nenhum lugar das milhares de páginas, com cartas do cardeal a seus subordinados, ele jamais expressou preocupação com o que havia acontecido às crianças.
 

Teve apoio do jornal em todos os momentos da apuração?
W.R. – Sim, muito.
 

Qual foi a reação da enorme comunidade católica de 
Boston? W.R. – Nos primeiros dias, houve alguns católicos proeminentes que acusaram o jornal de tentar atingir a igreja. Mas uma ou duas semanas depois das revelações, mesmo eles se calaram, pois todo mundo passou a entender quão sérios eram os crimes. O cardeal Law perdeu toda sua credibilidade.
 

Houve manifestações? W.R. – Não contra o Globe, mas contra igreja. No início, pensávamos que haveria umas 500 pessoas protestando em frente à sede do jornal, mas isso nunca ocorreu.
 

Isso o surpreendeu? W.R. – Foi uma surpresa, sim. Mas as provas eram tão fortes que as pessoas se deram conta de que a questão era com a igreja, não com o Globe.
 

Sem os documentos revelados pelo jornal, provavelmente não haveria nada comprovado sobre o acobertamento. Qual a importância do caso Bernard Law para o futuro do jornalismo investigativo? W.R. – Foi muito importante nos EUA, pois lidávamos com uma instituição que não era de modo nenhum aberta, nem sequer a perguntas. Se tivéssemos escrito histórias baseadas só nas acusações feitas por um pequeno número de vítimas, ninguém teria acreditado. Decidimos que tínhamos de ter os documentos. A igreja não pode nos acusar de nada porque eles mostravam o quanto bispos, arcebispos e cardeais estavam envolvidos em encobrir os crimes e permitir que continuassem.
 

Qual era, no caso, o limite entre jornalismo investigativo e sensacionalismo? W.R. – Eu lhe digo onde havia, nesse caso. Tínhamos, na sede do Globe, uma sala inteira repleta de caixas com dezenas de milhares de documentos. Neles havia grande quantidade de informações, com muito potencial sensacionalista, sobre o que os padres faziam com suas vítimas. Por exemplo, um caso de abuso contra um menino de quatro anos. Mas fomos muito cuidadosos sobre o que publicaríamos. Raramente usamos detalhes explícitos e focamos o que os papéis diziam sobre as atitudes da alta hierarquia da igreja. Não poderíamos desfazer o que fora feito às vítimas, mas tínhamos esperança de que, a partir das revelações, a sociedade civil e os católicos poderiam ajudar a mudar a instituição.
 

Hoje, o sr. avalia que ajudou a mudá-la? W.R. – Não sei a resposta, mas, quanto ao futuro, acho que não há esperança para a igreja no mundo desenvolvido. Os EUA registram queda acentuada no número de católicos que vão à igreja e que contribuem com dinheiro. Isso também é verdade para a Irlanda. Somos uma sociedade muito secular, com separação clara entre igreja e Estado. O crescimento e o poder da igreja é hoje muito mais forte na África, em partes da Ásia e na América Latina.
 

O que acha da atitude de Richard Dawkins e Christopher Hitchens de pedir a prisão de Bento 16 quando ele visitar o Reino Unido? W.R. – Não concordo, pois não acho que haja evidência para acusar o papa pelo crime. Além disso -assim como descobrimos aqui, no caso do cardeal Bernard Law-, as autoridades civis decidiram que não poderiam processá-lo porque, nesse caso, teriam que processá-lo por ser cúmplice do crime e, para isso, teria que ser provado que a pessoa -o arcebispo ou o cardeal- sabia que os padres iam a suas paróquias para abusar das crianças. Os bispos e a igreja foram muito ingênuos. Pensaram que, se os padres se arrependessem de seus pecados e fossem perdoados por eles, não iriam pecar novamente. Mas o que eles não entendiam é que isso era uma doença. O que a igreja de fato precisa é prestar mais atenção às necessidades dos fiéis e das crianças e se preocupar menos em defender a hierarquia.
 

*** Leia aqui a íntegra desta entrevista.


A matéria que reproduzimos abaixo foi 
publicada no Observatório da Imprensa

IGREJA & PEDOFILIA

Um elogio à hipocrisia

Por Alberto Dines em 4/5/2010
A fulanização do debate costuma simplificar e distorcer o seu teor e, principalmente, favorece a quebra de civilidade. O doutor Carlos Alberto Di Franco deveria sentar-se novamente no banco dos réus pelo texto que publicou na segunda-feira (3/5), no Estado de S.Paulo (pág. 2) e O Globo (pág. 7). Cuidemos, em vez disso, da primorosa peça que nos ofereceu.
 
Sob o título "A crise do jornalismo", trata dos pecados jornalísticos cometidos nesta última temporada de revelações sobre abusos sexuais cometidos por sacerdotes católicos. "A má qualidade da cobertura da pedofilia na Igreja é a ponta do iceberg de algo grave" é o seu mote.
 
Como impera na imprensa brasileira um pacto de sigilo, fica difícil imaginar em que esfera o ilustre articulista localizou tantas heresias. Sua queixa talvez se relacione com a imprensa espanhola, já que artigo começa com um surpreendente elogio ao El País, um dos melhores jornais do mundo, aguerridamente anticlerical, que designa sem meias palavras, curto e grosso, os padres pedófilos de pederastas. Na Espanha, mais precisamente em Navarra, situa-se a alma mater do articulista, prócer da Opus Dei, prelazia que nas últimas décadas estabeleceu no Brasil a mais nefasta submissão da imprensa a interesses políticos desde o fim da ditadura.
 
Manipulação sistemática O território inspirador da ladainha é certamente a honestíssima e espiritualíssima Itália, onde "num período de várias décadas, apenas 100 sacerdotes foram denunciados e condenados [por abusos sexuais] enquanto 6 mil professores de educação física sofriam condenação pelo mesmo delito". Estes 6 mil professores pedófilos devem ser eleitores de Berlusconi que até hoje não foi derrubado do poder porque é apoiado pelo Vaticano.
 
Da Itália nosso sermonista passa à Alemanha, onde aponta o registro de 210 mil denúncias de abusos sexuais desde 1995, dos quais apenas 300 relacionavam-se com o clero – menos de 0,2%. Este delírio numerológico é apresentado sem qualquer fonte ou referência, no chutômetro, contrariando não apenas o que os veículos mais responsáveis da imprensa mundial publicaram, mas, sobretudo, as próprias admissões de culpa das autoridades eclesiásticas da Europa e Estados Unidos.
 
Ao longo desta abalizada análise do jornalismo contemporâneo não há qualquer menção à manipulação sistemática do noticiário por instituições, empresas, partidos e corporações próximas à igreja católica. Como se a Opus Dei não tivesse a menor força na Península Ibérica, na América Latina e especialmente no Brasil.
 
O mais grave No parágrafo final, o texto faz a apologia de "processos eficientes de controle de qualidade da informação". Onde será que ouvimos esta pregação – em algum discurso de Goebbels, nas doutrinas dos comissários bolcheviques ou é uma invenção do cursilho Master por onde passam os jornalistas que em breve serão os porteiros das nossas redações?
 
Por acaso foi este "eficiente controle de qualidade" o responsável pelo abafamento durante cinco semanas do escabroso caso do monsenhor que abusava dos coroinhas em Arapiraca? Por que só agora, mais de um mês depois, é permitido ao leitor brasileiro saber que o Vaticano considera como delinqüente, sem escrúpulos, o sacerdote mexicano Marcial Maciel, criador da ordem da Legião de Cristo?
 
Este jornalismo mafioso é insignificante, esta crise no jornalismo é irrelevante. Mais grave é perceber que O Globo e o Estadão, apesar do elenco de brilhantes, experimentados e articulados profissionais de imprensa preferem publicar um lixão hipócrita destas proporções.

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